dar voz e conteúdo a um projecto

Para abrir este blogue só consigo pensar numa palavra: Gratidão.
Gratidão, àqueles que acreditaram neste projecto, no seu novo conceito de estar no mercado da arte.
Um modelo que à partida causa alguma desconfiança, porque sai da regra, da normalidade. Um modelo em que o artista não está dependente de subsídios, nem de lobbies, nem de apadrinhamentos.
O artista está como sempre esteve, só, com o seu ofício, deixando que a sua obra fale por si. E é tão grande a sua autonomia e confiança que patrocina a sua própria exposição, a sua vocação, a sua enorme crença no seu talento.
A Arte pela Arte, alguém chamou a este novo modelo associativo.
Acredito que vá crescer e tomar uma proporção inesperada, uma dimensão capaz de sustentar o sonho inicial, o de criar o "Café dos Artistas" num imóvel camarário, aberto a todos, com exposições a decorrer em simultâneo, lugar de conferências e debates, tertúlias e projecções...em suma, um lugar de artistas, um ponto de encontro global, onde a ARTE seja o pólo de aproximação universal, a linguagem comum a todos que o visitem.
Obrigada aos Artistas plásticos, aos privados que apoiam esta iniciativa e a todos os que nos visitarem.

Ana Paula Cabral
23 Nov 2010



sábado, 8 de janeiro de 2011

Homenagem a MALANGATANA



Tal como os países e as rotas marítimas, os artistas também têm descobridores. O de Malangatana foi o arquitecto Pancho Guedes.

No final da década de 50, quando o jovem moçambicano era um mero empregado de mesa do Grémio Civil, em Maputo, o português disponibilizou-lhe um espaço na garagem para pintar à noite. E não ficou por aqui. Todos os meses lhe comprava dois quadros a preços inflaccionados. Pouco depois, o rapaz decidiu apresentar o trabalho ao público. Foi um sucesso.

"De um ano para o outro [o Malangatana] passou de simples empregado de bar e limpezas num clube de elite moçambicano para um pintor de grande reputação", recordou ontem Pancho Guedes, surpreendido pela morte do antigo protegido. "Fazia uma pintura que era só dele, não precisando que ninguém lha ensinasse ou interpretasse."

Pastor, curandeiro e mainato Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de Junho de 1936 em Matalana, perto da então Lourenço Marques, hoje Maputo. Até adoecer, a mãe bordava cabaças e afiava os dentes das raparigas, como se usava na altura. O pai era mineiro na África do Sul.

O miúdo acabou por ir viver com um tio paterno. Estudou até ao segundo ano na Escola da Missão Suíça na Matalana, que adorava. "Podíamos aprender várias técnicas criativas como olaria, cestaria e trabalhar a madeira para além de ler e escrever", contou em 1989 à revista "New Internationalist". Quando a instituição fechou, passou para a Escola da Missão Católica em Bulázi. Mas por pouco tempo.

Aos 11 anos, concluído o terceiro ano e considerado já adulto, Malangatana começou a trabalhar. Foi pastor, aprendiz de curandeiro (ensinado pela tia), mainato (empregados que lavavam e engomavam a roupa) e tomou conta de crianças, até chegar de forma providencial ao clube de ténis.

"O apanha-bolas era um tal de Malangatana Ngwenya, que no fim de uma tarde de desporto se acercou de mim para me pedir se por acaso não teria em casa um par de sapatilhas velhas que lhe emprestasse", contou em 1989 o artista plástico e biólogo Augusto Cabral. Nessa noite, o rapaz foi a casa dele e viu-o pintar. Pediu-lhe que lhe ensinasse. Recebeu em resposta tintas, pincéis e placas de contraplacado: "[Pinta] o que está dentro da tua cabeça."

Depois veio a garagem de Pancho Guedes, a exposição colectiva de 1959 e o sucesso - que espantou Augusto Cabral - até se tornar no embondeiro da arte moçambicana. Malangatana pintava o povo de Moçambique, a opressão colonial, a resistência e a guerra civil. Cenas quotidianas, imbuídas de dor e revolta. "Quando conheço pessoas, rio, canto, danço. Quando me dirijo à tela sou outro Malangatana", explicou à "New Internationalist". Chegou a ser preso pela PIDE, acusado de pertencer ao movimento de libertação FRELIMO. Muitos anos depois, de 1990 a 1994, seria deputado pelo partido.

A rir até ao fim A morte de Malangatana apanhou muitos admiradores de surpresa. Em Outubro, na inauguração da exposição de desenhos e pinturas ainda patente na Casa da Cerca, em Almada, "contou histórias, riu, brincou com amigos", lembra a directora do espaço Ana Isabel Ribeiro. Era famosa a boa-disposição do Moçambicano, que muitas vezes cantava de improviso em palestras e reuniões de amigos.

Malangatana foi internado no dia de Natal no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, onde a filha é médica. Morreu ontem às 3h30, vítima de cancro, com 74 anos.




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